CYRO MARTINS (1908-1995) Biografia: Nasceu em Quarai - RS (05/08/1908), na fronteira sudoeste, filho de um pequeno comerciante da região. Com 12 anos, mudou-se para Porto Alegre a fim de fazer o antigo ginásio e o curso científico no colégio Anchieta. Ingressou na Faculdade de Medicina em 1928, formando-se em 1933. Retornou a sua cidade natal, lá exercendo a
atividade médica durante três anos.
Conheceu então a miséria social instituída pela crescente modernização do latifúndio na campanha rio-grandense e que, em seguida, documentaria em sua obra narrativa, pois
"Sem Rumo", que abre a célebre
trilogia do gaúcho a pé, é de 1937. No ano de 1938, Cyro Martins estudou
neurologia no Rio de Janeiro. Ao voltar, fixou-se de vez em Porto Alegre, de onde sairia apenas no período 1951-1955, vivendo em Buenos Aires onde realizou sua formação
psicanalítica. Dividido entre a
psicanálise e a
literatura, o
ensaio e a
ficção, converteu-se numa das
figuras intelectuais mais respeitadas no Rio Grande do Sul.Leia mais em: <http://educaterra.terra.com.br/literatura/romancede30/2003/03/18/002.htm>. Acesso em: 18/10/2008. Obras Principais:•
Campo Fora - 1934, Globo;
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Sem Rumo - 1937, Ariel;
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Enquanto as Águas Correm - 1939, Globo;
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Mensagem Errante - 1942, Globo;
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Porteira Fechada - 1944, Globo;
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Estrada Nova - 1954, Brasiliense
(Bib ETS - 2 ex.);•
A Entrevista - 1968, Sulina;
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Rodeio - Estampa e Perfis - 1976, Movimento;
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Sombras na Correnteza - 1979, Movimento
(Bib ETS);•
A Dama do Saladeiro - 1980, Movimento;
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O Príncipe da Vila - 1982, LPM
(Bib ETS);•
O Mundo em que Vivemos - 1983, Movimento;
•
Gaúchos no Obelisco - 1984, Movimento;
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A Mulher na Sociedade Atual (ensaio) - 1984, Movimento;
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Na Curva do Arco-Íris - 1985, Movimento;
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O Professor - 1988, Movimento
(Bib ETS);•
Para Início de Conversa (memórias) - 1990, Movimento;
•
Um Sorriso para o Destino - 1991, Movimento;
• Páginas Soltas - 1994.
Além disso, escreveu ensaios psicanalíticos e literários.O esforço documental, a transformação dos indivíduos em representações explícitas de classes sociais, o didatismo com que se apresenta a vida econômica e política de uma região e a descrição implacável da miséria a que estão condenadas as camadas populares que ali vivem constituem o receituário do neo-realismo de 1930, do qual Cyro Martins é uma das expressões mais acabadas. De certa maneira, Cyro Martins parte da mesma temática de Erico Verissimo: o Rio Grande pastoril, das imensas fazendas, da grande produção de couros e carne. Mas a diferença entre ambos está no grupo social que expressam: Erico prefere fazer a saga da classe dominante de sua origem à sua decadência; Cyro opta pelos desvalidos do pampa: pequenos arrendatários, agregados, posteiros, peões, carreteiros, gente que perdeu o pouco que possuía e que vaga sem destino pela campanha. No plano da escrita, Erico, mantém invariavelmente o padrão culto da língua, ao passo que o autor da trilogia do gaúcho a pé introduz em seus textos, em especial nos diálogos, vocábulos e expressões regionais. O léxico gauchesco, de origem platina, é usado, entretanto, de maneira circunstancial, pois a linguagem dominante de suas narrações é também a urbana culta.
A TRILOGIA DO GAÚCHO A PÉ
Nas primeiras décadas do século XX, o transporte ferroviário, as cercas de arame farpado, as pastagens artificiais e a divisão das grandes propriedades tinham reduzido a necessidade de mão-de-obra na atividade pastoril. Em um conjunto de romances pungentes – designados como trilogia do gaúcho a pé ("Sem rumo", "Porteira fechada", "Estrada nova") – Cyro Martins fixa este processo de expulsão dos trabalhadores do campo, face à inexorável modernização capitalista das estâncias. Despejados das fazendas, esses tipos rudes marcham para os cinturões de miséria que envolvem as cidades do pampa, sem possuir qualquer qualificação para o trabalho citadino. O desemprego é inevitável assim como a bebida e a depressão. Sem alternativas, voltam-se nostalgicamente para o passado, que pintam como uma época de ouro. Daí à marginalização é apenas um passo.
Trilogia do Gaúcho a Pé - Obras:
1ª "Sem Rumo" - Comentário: Flávio Aguiar*
"Sem Rumo" (1937) é o primeiro romance de Cyro Martins que pertence à chamada “trilogia do gaúcho a pé”, de que também fazem parte "Porteira Fechada" (1944) e "Estrada Nova" (1954). Quando da publicação de "Sem Rumo", o processo de urbanização do Brasil se acelerava. Mas 70% da população brasileira vivia no campo, enquanto 30% vivia nas cidades. Isso não significa apenas uma porcentagem. Significa que a ascendência daquele mundo rural sobre o mundo urbano era muito grande e penetrante, enquanto hoje a equação se inverteu. Boa parte dos habitantes do mundo urbano, inclusive dos assíduos leitores da literatura canônica nacional, tinha a família próxima, quando não a própria infância e sua formação, solidamente fincadas no mundo rural. Para aquelas gerações, a cidade era sinal de modernização e progresso. Não só da economia e das relações sociais; as cidades eram símbolo também de progresso espiritual, roubando a vida brasileira da violência a que as desigualdades do mundo rural, latifundiário e patrício, pareciam tê-la condenado. Os olhares dos escritores daquela década de 30 sobre nosso vasto mundo rústico de sertões, florestas, cerrados e pampas, era muito cético. Mas nem por isso "Sem Rumo" é um romance da desesperança, nem do desespero. Mesmo ali onde se embaça a miséria social, transparece, na visão de Cyro, a grandeza, ainda que paradoxalmente frágil, de seus personagens em busca da humanidade de seu destino, que mais parece utópica do que real. Em meio às durezas da vida, entregam-se aos amores, à memória, com volúpia e sofreguidão de viver. A paisagem do pampa, vivamente espelhada nas páginas de Cyro, emoldura com grandiosidade os dramas humanos. A comunicação entre os personagens é difícil, interrompida. A única comunicação potente no romance é a da violência, seja a dos desmandos dos ricos sobre os pobres, dos poderosos sobre os humildes, dos homens sobre as mulheres, dos adultos sobre as crianças, dos homens sobre os animais. Ou então a violência – que Chiru, o protagonista, não deixa de ver com admiração, dos revoltosos, com seus lenços vermelhos embandeirados, suas cavalhadas em correrias pelas sendas combativas mas impotentes para ir ao cerne das doenças sociais que o jovem médico Cyro quer denunciar.
*Flávio Aguiar - organizador da edição comemorativa, autor das notas.
2ª "Porteira Fechada" - Comentário: Carlos Jorge Appel*
O término da I Guerra Mundial (1914-18) traz, no seu rastro, a quebra do Banco Pelotense e a falência dos principais frigoríficos das cidades fronteiriças do Rio Grande do Sul, indícios significativos de que o sistema tradicional de produção da campanha gaúcha evidenciava sua exaustão e entrava em colapso. As unidades produtivas do campo, as pequenas e médias estâncias, sofreriam as conseqüências dessa crise agropastoril. Todo um modo de produção vigente no Rio Grande do Sul, desde o início do século XVIII, esgotara sua utilidade e funcionalidade. A ataraxia e o imobilismo na campanha gaúcha constituíam sintomas dessa realidade. Cyro Martins, nascido em Quaraí (1908), iria vivenciar e recriar essa situação num amplo e complexo painel ficcional, formado pela trilogia do gaúcho a pé: Sem rumo (1937), Porteira fechada (1944) e Estrada nova (1953). Nessa trilogia, os gaúchos, despilchados e sem cavalo, portanto sem auto-estima, tornam-se símbolos de decadência, de perda de identidade e de perspectiva; transformaram-se em “ruínas vivas”, na expressão de Alcides Maya. Mão-de-obra ociosa e desnecessária, peões, capatazes, pequenos arrendatários serão expelidos da estância para a periferia das cidades. Porteira fechada traz à tona e desvenda esse quadro de decadência moral e material do gaúcho empobrecido, personificado em João Guedes. Durante algum tempo, tenta, arrendando meia quadra de campo, sobreviver ali com sua família, cultivando e criando gado. No entanto, a concentração de terras na mão de poucos e a crise econômica expelem João Guedes, sua mulher e filhos para os ranchos que circundam uma típica cidade do interior gaúcho. A tragédia é o ponto final dessa história de João Guedes. A campanha gaúcha nunca mais seria a mesma.
*Carlos Jorge Appel - Professor de Literatura, crítico literário e editor da maioria dos livros de Cyro Martins.
3ª "Estrada Nova" - Comentário: Ligia Chiappini*
A chamada trilogia do gaúcho a pé, concluída com este romance, tem sido lida como "documento precioso de uma época”, porque descreve, sitúa e analisa o processo da marginalização do gaúcho pobre e o êxodo dos habitantes da campanha riograndense para a cidade, sob o impacto da modernização na primeira metade do século XX. Em Estrada Nova essa temática se amplia, abrangendo ricos e remediados. Mas esse romance, como os anteriores, vai além do trabalho documental, porque às artes do sociólogo amador e do psicanalista profissional junta-se o indispensável talento do escritor, que, de modo triste e divertido, nos introduz no fluxo dos pensamentos, sensações e sentimentos de seus personagens. Isso se faz, aliando conhecimento e experiência, com pleno domínio das técnicas discursivas, destacando-se as sutilezas do monólogo interior, mas também a força dos diálogos, em que os personagens se defrontam numa performance complexa e ambígua, cheia de subentendidos e pressuposições, temperadas de ironia. Cyro é perito em driblar nossas expectativas, contrariando as regras da coerência narrativa. Assim, o que poderia ser visto como falha técnica acaba sendo ponto forte do romance, como ocorre quando o fazendeiro Teodoro, que devia ser apenas um vilão, acaba roubando a cena do moço Ricardo, herói meio abandonado no meio do caminho. E o livro se fecha com Teodoro e suas vítimas sendo, simultaneamente, seus algozes: Janguta, sua mulher, sua filha. Como se realiza essa proeza e que efeitos ela produz, apenas a experiência direta da leitura pode elucidar. Trilhemos, pois, sem mais delongas, esta velha estrada ainda e sempre nova.
*Ligia Chiappini - Professora e pesquisadora de Teoria Literária (USP) e Estudos Latino-Americanos (Universidade Livre de Berlim).
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